Artigo de opinião no jornal Público
Quando li este título na mensagem de WhatsApp, confesso que fiquei preocupado. Quem seria que desmotivava assim os pais a levarem os filhos a jogar rugby?
A leitura do texto descansou-me e fez-me sorrir. Tratava-se de um “teaser”, uma “provocação” bem-intencionada e melhor escrita, que em resumo dizia que quem inscreve os seus filhos no Rugby “arrisca-se” a que eles passem a apoiar os amigos, ajudar os mais fracos, respeitar os adversários e o árbitro, perceber a importância de trabalhar em equipa, ser solidário, ou seja, imbuí-los numa verdadeira cultura de fair-play que os transformará em homens fortes, dignos, justos e bons.
Todos os que tiveram o privilégio, como eu, de jogar rugby, sabem perfeitamente o que significam as palavras acima. E o orgulho que sentimos quando, de uma maneira ou de outra, como educador ou treinador, árbitro ou dirigente ou simplesmente espectador, ficamos ligados para toda a vida ao rugby e aos princípios que aí se praticam.
O Técnico Rugby é uma escola que “produziu” milhares de jogadores ao longo dos 60 anos da sua existência, sempre comprometido com esses princípios e valores. Formou dezenas de treinadores, árbitros e dirigentes e deu muitos jogadores às selecções nacionais. Acumulou títulos nacionais em todas as categorias.
Tal como alguns outros clubes, o seu contributo para o rugby nacional foi e é determinante. São clubes como o Técnico, escolas de rugby sólidas e estruturadas, que sustentam a base da formação dos valores que fazem o progresso da modalidade.
Aconteceu ter sido abordado por um avô desapontado e triste porque o neto, jovem jogador do Técnico, tinha desistido do rugby para ir praticar outro desporto. Doeu-me o coração saber que vários dos nossos jovens jogadores tinham desistido, outros dos escalões principais foram aliciados por outros clubes e partiram. E porquê?
É uma história surreal, estúpida e maldosa. Que começou há muito poucos anos quando o Técnico votou contra e criticou variadas vezes o presidente da federação que, entre outras características, não aprecia ser criticado. Daí nasceu um verdadeiro “parti pris” permanente por parte do presidente face ao Técnico e aos seus dirigentes.
Na época passada, e inusitadamente num jogo para o apuramento do Campeonato Nacional, o presidente da federação, sem qualquer autoridade ou mandato para tal, deslocou-se pessoalmente ao campo para instar a equipa do Técnico a não jogar com alguns jogadores. Ora, sabendo perfeitamente que os regulamentos permitiam a legalidade da utilização desses jogadores, o Técnico jogou com eles e ganhou. O nosso adversário protestou o jogo com base na errada actuação do presidente.
Da análise desse protesto, o Conselho de Disciplina (CD) reiterou que o Técnico podia ter usado os jogadores (e o protesto do nosso adversário termina aqui como improcedente). Porém, e inopinadamente, multou o clube por “desobediência” ao presidente e decidiu ainda aplicar “sanções desportivas” (??). Obviamente que nenhum clube está sujeito a “ordens” dum presidente de federação (a “desobediência civil” só é aplicável na esfera pública e é recusável se a ordem dada estiver ferida de ilegalidade, o que era o caso), mas mesmo assim, e com o CD a considerar que não havia ilegalidade na utilização dos jogadores, a própria direcção da federação, sem quaisquer poderes para tal (a direcção tem apenas poder executivo, o poder disciplinar é da competência exclusiva do CD), condenou o Técnico à perda de todos os jogos anteriores e futuros do campeonato que estava a disputar (2021/22) e, de seguida, à sua descida à 3.ª Divisão.
Só um motivo gravíssimo levaria uma federação a desprezar uma equipa campeã nacional do campeonato em disputa desta forma. Nunca um motivo fútil como o de jogar alegadamente com presumíveis “jogadores indevidos” na ideia do presidente e, no caso de este motivo não passar, engendrar uma desobediência inexistente e estrambólica.
Naturalmente, o Técnico recorreu desta infamante decisão para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD). E este tribunal julgou, por unanimidade, procedentes todos os quesitos do Técnico, ou seja, no que diz respeito à utilização dos jogadores, que reiterou legal, à perda de todos os jogos do campeonato, que anulou, e à descida à 3.ª Divisão, que também anulou. Mais, aplicou à federação uma multa vultosa e o pagamento das custas.
Cabia à federação executar, obedecer e dar cumprimento à decisão do tribunal.
Contudo, utilizando a conhecida táctica a que recorrem normalmente os advogados daqueles casos que enchem as capas dos jornais, a federação interpôs recurso para o Tribunal Administrativo, com argumentos meramente dilatórios que nada têm a ver com o caso, mas tendo em linha de conta que a morosidade dos tribunais vá protelando a aplicação da sentença que foi condenada a executar.
O Técnico é um clube com 60 anos de existência e foi-lhe reconhecido o estatuto de Utilidade Pública. É um marco e uma referência na história do rugby português.
Representa uma estrutura vocacionada para a formação de jogadores, com cerca de 350 por ano. É uma das melhores equipas do país e uma das poucas que dá jogadores à selecção nacional. Aplicar a um clube assim uma penalização tão grave como a despromoção à 3.ª divisão implica uma responsabilidade gigante por parte da direcção, pois não só o clube como o rugby nacional sofreriam uma perda irreparável.
Como é possível que a um presidente de uma federação lhe seja indiferente tudo isto, e se atreva, fora de toda e qualquer legalidade como provado em tribunal, a rechaçar para a 3.ª divisão um clube, sabendo que isso equivale a uma sentença de morte? O que move o presidente para desbaratar um património de 60 anos e de sucesso para o rugby? Serão questões pessoais?
O que move o presidente para não acatar as decisões do tribunal, usando manobras e subterfúgios para ganhar tempo? Para que seja o seu sucessor a aguentar com todo o rol de indemnizações e custos, valores esses que fariam muito melhor se utilizados em escolas de rugby e na formação? E falando disso, não será que ao presidente lhe pesará na consciência que miúdos e jovens abandonem os treinos do Técnico, por os pais se encontrarem desiludidos com a situação que o presidente criou? E será que se sente o principal responsável por muitos deles terem ido entretanto jogar outras modalidades e que nunca mais voltarão ao rugby? O que move o presidente a convocar os clubes para uma reunião para discutir este assunto e não convocar o Técnico, a parte mais interessada que poderia esclarecer liminarmente o que se estava a passar? E porque teve sempre medo de enfrentar em público o contraditório do Técnico? Medo da verdade? Das provas? Do óbvio?
O que move a federação para ter a atitude vergonhosa de colocar na convocatória para um jogo internacional os dois jogadores do Técnico como “sem clube”? E que objectivos escondidos (pessoais, presume-se, já que os da modalidade não estão a ser defendidos) levam o presidente da FPR (Federação Portuguesa de Rugby) a ignorar a posição do presidente do Instituto Português do Desporto e Juventude e do próprio Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, no sentido de a legalidade ser reposta?
Será que a direcção da FPR e o seu presidente são insensíveis à barbaridade desportiva de todo este processo? E será que todos os membros da direcção e do CD assumem a responsabilidade civil e pessoal de não darem cumprimento às ordens do tribunal, conforme já foi solicitada execução?
Só uma profunda incapacidade de compreender aquilo que no rugby designamos por “espírito do jogo” por parte da direcção e do seu presidente, espírito esse que envolve o fair-play, a verdade, a pureza, a verticalidade, pode justificar tamanhas diatribes e, consequentemente, uma inaptidão para dirigir a federação de rugby.
Também se poderá perguntar qual tem sido a atitude dos outros clubes relativamente a este caso. Uns, muito poucos, mostraram indiferença (envergonhada), aproveitando o horror que foi criado pela direcção e o seu presidente para aliciarem elementos da equipa sénior do Técnico para jogarem nos seus clubes; outros, hesitantes, pretenderam apenas “eliminar” concorrência na secretaria, já que, num clima tão competitivo, evitar tomar posições terá as suas vantagens; mas a maioria, perfeitamente consciente das suas responsabilidades no seio do rugby nacional, apoiou o Técnico, tal como o Técnico o fez quando, há quatro anos, se pôs a hipótese de aplicar um castigo de descida de divisão aos “teams” de Direito e Agronomia. Imediatamente o Técnico se solidarizou com os seus adversários, defendendo que eliminar duas das melhores equipas portuguesas do campeonato principal seria catastrófico para o rugby nacional.
Não faz sentido, não faz qualquer sentido que, por um protesto de um jogo em que alegadamente se tinha utilizado jogadores não elegíveis (e que se veio a provar, quer no CD da própria federação, quer no tribunal não ser verdade), um clube seja relegado para a 3.ª divisão, destruindo quem, ao lado de muitos outros, contribuiu e contribui definitivamente para o engrandecimento do nosso rugby.
O presidente da federação é uma personalidade remunerada e a sua função e obrigação é organizar e desenvolver o rugby em Portugal, diligentemente, com independência e isenção, seguindo os preceitos das normas. Quando esses paradigmas dão lugar a idiossincrasias pessoais, a actuação gera uma violência tão inútil quanto desnecessária. São estes estados de alma de arrogância e soberba, em substituição da tal postura definida pelo “espírito do jogo”, que levam à desmotivação dos miúdos e que dão sentido real e assustador para que os pais “Não inscrevam os seus filhos no rugby”.
Estou com Françoise Sagan quando dizia: “J’aime le rugby pour l’intelligence, pas pour la violence”.
José Bento dos Santos, Presidente da Assembleia Geral do Clube de Rugby do Técnico